quinta-feira, 29 de abril de 2010

Desabafo desses de madrugada


"Anita abriu o livro sobre a mesa para ler a dedicatória: Ao homem que me faz acreditar em príncipe encantado. Nunca pensou que palavras tão doces e românticas, mesmo que piegas para tantos, lhe causassem tamanha dor.

Nunca, como mulher, Anita sentira-se tão mal. Como ser humano já se sentira pior, mas como mulher, sentia-se suja, criminosa. Ouvira o desejo de um homem comprometido, beijara lábios que pertenciam a outra. Mas parte da dor daquela poetiza era saber que alguém vivia a plena alegria de uma ilusão.

Será que se pode dizer que se ama alguém que tão pouco se conhece? Será que é verdadeiro um relacionamento baseado em mentiras?

Com os meses de convivência posteriores a noite em que tudo aconteceu, Anita descobriu que ele amava de fato a remetente daquela dedicatória, ou pelo menos, alimentava tão fielmente aquela ilusão que qualquer um que ignorasse o que Anita sabia, acreditaria no romantismo daquele relacionamento.

Eles trocavam senhas e confidências como quem confia, mas tinham segredos sagrados. Palavras duras e brigas contínuas. Anita nunca acreditou em brigas, sempre achou que brigas era um sintoma de uma relacionamento que iria falir.

Às vezes, a escritora perguntava-se se a enganada não era ela, se na verdade, a Remetente não sabia de tudo. Sabia da música que tocara, das palavras sussurradas, das situações descascadas.
E por algum motivo, Anita concluiu que não trocaria nenhum dos seus relacionamentos complicados e carentes de definições, regras e limites, por aquela ilusão, por mais bela que ela fosse. Anita amava a idéia da confiabilidade e mesmo sabendo que a Remetente tinha esse sentimento, Anita também sabia que essa não era a verdade e que bastava um passo em falso para que tudo desmoronasse e haveria muita dor.

Eis uma informação valiosa sobre a famosa escritora, ela era uma covarde. Não enfrentou esse desejo antes por medo de se apaixonar, não lutaria por ele por outros motivos, mas ainda sim, sempre foi muito mais covardia que qualquer outra coisa.

E Anita temia o dia que encararia a mulher que ajudara a trair, porque neste dia a trairia novamente, pois se calaria diante de um crime e se tornaria cúmplice dele. Restava a ela fingir que eram somente boas intenções". por Marcella Facó

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